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Blogdopa | PF envolvido na morte de bancário teve R$ 22 mil pagos em diárias e treinamentos

Réu por homicídio, policial federal recebeu mais de R$ 22 mil em gratificações enquanto aguardava novo julgamento

Mesmo respondendo por homicídio e tentativa de homicídio ocorridos durante uma festa em um barco no Lago Paranoá, em 2016, o policial federal Ricardo Matias Rodrigues, 53 anos, recebeu mais de R$ 22 mil em gratificações e diárias de viagens realizadas entre novembro de 2020 e fevereiro de 2025. O agente será submetido a um novo julgamento pelo Tribunal do Júri após a anulação da condenação anterior, de 24 anos de prisão, por erro processual.

Agente especial da Polícia Federal desde 2006, Ricardo Matias segue lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor) quase nove anos após o crime. As gratificações foram pagas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública por sua participação como instrutor em cursos de gestão de crise e segurança em Brasília (DF), Goiânia (GO), Paracatu (MG) e Eunápolis (BA), além de viagens para participar de outras capacitações em território nacional.

As atividades duraram, em média, cinco dias, com pagamentos que giravam em torno de R$ 2 mil por curso. A remuneração foi concedida por meio da Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso (GECC), prevista para servidores federais que desempenham atividades eventuais relacionadas à formação e capacitação.

O salário exato do policial não consta no Portal da Transparência, já que a Polícia Federal deixa de divulgar certas informações para preservar investigações e a segurança de servidores. De acordo com a tabela salarial vigente, um agente especial da PF recebe R$ 21.987,38, valor que deve subir para R$ 25.250 com o reajuste aprovado para 2025. Com 19 anos de carreira, Rodrigues também pode receber adicional por tempo de serviço.

Formado em ciências econômicas, o servidor tem atuação voltada à segurança pública, com experiência em domínio de cidades, plano de defesa, crime articulado e ações do chamado “novo cangaço”. Possui especialização em inteligência competitiva, contrainteligência corporativa e MBA em gerenciamento de crises. Mesmo após o crime, chegou a receber honrarias máximas das polícias militares de seis estados: Bahia, Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

O crime

O policial será julgado novamente por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima — e por tentativa de homicídio.

A vítima fatal, Cláudio Muller, 47 anos, era bancário do Banco do Brasil. O sobrevivente, Fábio Cunha, então com 37 anos, foi atingido no peito e ficou com a bala alojada. O agente utilizou uma pistola Glock 9mm para efetuar os disparos.

As versões apresentadas divergem, mas testemunhas relatam que uma briga entre mulheres na comemoração desencadeou o conflito. A esposa de Cláudio afirma ter sido agredida pela companheira do policial, o que motivou o marido e o amigo a confrontarem o casal. Já Rodrigues sustenta que sua esposa foi atacada e que apenas reagiu em legítima defesa após dar ordens para que os supostos agressores se afastassem.

O policial admitiu à época ter consumido bebida alcoólica, mas a defesa afirma que foram apenas “duas ou três taças de vinho”. Após o episódio, Rodrigues se apresentou à 5ª Delegacia da Asa Norte e entregou a arma, sendo liberado após assinar termo de compromisso. Testemunhas contestam a afirmação de que ele teria se identificado como policial durante o ocorrido.

Cláudio Muller, carioca, trabalhava no Banco do Brasil desde 1998 em Brasília. Ele deixou duas filhas — de 22 e 9 anos —, a esposa e um enteado. O sobrevivente Fábio Cunha entrou com pedido de indenização de R$ 800 mil, mas o valor foi reduzido pela Justiça para R$ 50 mil, que deverão ser pagos por Ricardo Matias.

Condenação anulada e novo julgamento

Condenado em 2018 a 24 anos, nove meses e 15 dias de prisão, Matias teve a decisão anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2019, após constatação de falhas processuais e violação aos princípios da correlação, do contraditório e da plenitude de defesa.

Com a anulação, sua prisão domiciliar foi revogada, e pedidos posteriores de prisão preventiva foram negados pelo Tribunal de Justiça do DF (TJDFT). A PF chegou a abrir procedimento administrativo, recolhendo o agente ao setor administrativo da Dicor, retirando seu porte de arma e restringindo sua saída do DF sem autorização judicial.

O novo julgamento está marcado para 16 de dezembro, às 9h, no Tribunal do Júri de Brasília. Caso seja condenado novamente e haja trânsito em julgado, o policial poderá ser exonerado da corporação, conforme prevê o artigo 92 do Código Penal.

A Polícia Federal foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos sobre o processo. A defesa do agente também não foi localizada. O espaço permanece aberto para manifestações.

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