Dado se refere aos desvios recuperados de março a setembro; números dos furtos não recuperados não foram divulgados.
O furto de eletricidade, popularmente conhecido como “gato”, é crime previsto em lei, prejudica o bolso de quem paga a conta regularmente e ainda provoca risco de eletrocussão, incêndio e morte. No Distrito Federal, entre março e setembro, por exemplo, os fraudadores da rede elétrica desviaram 150 GWh. A quantia, que já foi recuperada financeiramente com a cobrança de multas e taxas, custa R$ 97 milhões e seria suficiente para iluminar toda a região por oito dias. Os números são da Neoenergia, que não informou, apesar dos questionamentos, quais os dados relativos aos furtos não recuperados.
A prática de gato está prevista no artigo 155 do CPP (Código Processual Penal) como furto qualificado. A pena para quem faz a instalação clandestina é de um a quatro anos de prisão e multa. Para combater a atividade ilícita, somente neste ano, a Neoenergia fez 33 mil ações de fiscalização. Outra estratégia é regularizar os pontos de distribuição de residência e comércio. Nesse caso, foram 21 mil unidades com intervenções.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, em 2021, a corporação atendeu a 186 incidentes envolvendo vítimas de choque elétrico. Parte dos incidentes estão relacionados à prática de gatos, mas os militares não fazem distinção, nas estatísticas, de quantos estão relacionados diretamente ao crime. Em 30 de setembro, os militares socorreram um homem no acampamento 26 de Setembro, em Ceilândia, depois de ele escalar um poste para mexer na fiação e levar uma descarga elétrica.
O preço da vida
Ele estava em uma escada, caiu de uma altura de 5 metros após ser eletrocutado e não resistiu. Em 2020, segundo levantamento da Abracopel (Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade), nove pessoas morreram por eletrocussão na capital federal. Professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB), Edson Hung destaca que o primeiro problema da ligação clandestina é justamente o risco.
“Esse risco é alto. Não é tão baixo assim. Principalmente porque [a pessoa] tem que subir em poste. É mais complicado”, explicou. Além disso, os gatos podem resultar em blecautes. “Se alguém consome energia no sistema que você não tem previsão, o sistema desliga. Isso é natural. Pode deixar um monte de gente sem luz. Algumas faltas de energia podem ocorrer por isso. Se há uma previsão de carga, quando uma região começa a consumir muito mais, o sistema desliga”, ressaltou.
A energia que entra a mais na residência de quem furta também pode aquecer a fiação e provocar incêndios. “Quando você consome mais energia, o fio aquece. Para instalações que consomem mais energia, é preciso um fio mais grosso, para dissipar melhor o calor e não estragar. Se você tem uma demanda de energia e começa a ter mais consumo não projetado, isso vai gerar mais calor. E existe a possibilidade de esquentar e pegar fogo”, alertou. “É um pouco complicado às vezes, pois energia elétrica a gente não enxerga. A gente não sabe se está eletrificado. A gente não tem noção. E para o leigo é bem mais perigoso”, complementou Hung.
Combate à fraude
Gerente de gestão da receita da Neoenergia, o engenheiro eletricista Luiz Paulo Marinho destaca que o combate aos gatos é difícil. “A gente tem a chamada perda técnica, que é a perda dos cabos, dos fios, que acontece normalmente, e temos a perda não técnica, dos gatos, clandestinos, das fraudes. Recuperamos 150 GWh, que equivale a oito dias de consumo de todo o DF de março a setembro. Fizemos 33 mil fiscalizações até setembro para identificar essas irregularidades”, revelou.
“É um desafio grande o combate ao gato. É um processo delicado combater esse tipo de ação. O gato gera insegurança para a população, para o próprio eletricista, mesmo tendo todo um controle de equipamento de proteção individual e coletivo. Mas o principal risco é para a população. Uma ligação clandestina, um desvio em um medidor podem ocasionar graves acidentes”, avisou.
Marinho destaca que é o brasiliense que paga parte da energia furtada. “A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], que é a agência reguladora, faz análise em todas as distribuidoras do Brasil e especifica o índice de perdas das distribuidoras. Tem uma quantidade que os consumidores pagam e, acima dessa marca, a distribuidora paga. Hoje, nosso índice regulatório é na ordem de 11,71% do total. Dentro dessa perda está a técnica e a não técnica”, detalhou.
Questionado sobre a existência de uma região administrativa (RA) que tenha mais casos de furto, o porta-voz da Neoenergia negou e disse que a prática é bem difundida. “Tem uma forte linha de atuação no comércio, na indústria de furto de energia. A mensagem que a gente passa no combate à fraude [é que] não é porque o cliente tem uma situação de economia menor que ele vá fraudar. É algo global, é cultural. Tem que ser combatido com educação, com divulgação”, argumentou.
Diretor jurídico e institucional da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Wagner Ferreira afirma que falta a presença do Estado para coibir a prática do gato. “Temos uma punição criminal para esse tipo de prática, prevista no código penal, mas não tem um tratamento, uma presença dos órgãos nesse tema. Isso, de certa forma, explica um pouco desse descaso que existe por parte do Estado quanto a um problema que é do interesse de todos”, destacou.
Blogdopa e os previlegios da Neoenergia DF.