De funcionária a aluna: trajetória de 23 anos na UnB
Creuzenice Maria de Jesus, 54 anos, é uma presença conhecida na Universidade de Brasília (UnB). Há mais de duas décadas, ela circula pelo campus como trabalhadora — atuou como vigilante e, atualmente, trabalha na portaria. Agora, ela inicia um novo capítulo em sua história na universidade: será a mais nova aluna do curso de Letras da instituição.
Nascida em Cariparé, município de Riachão das Neves, na Bahia, Creuzenice mudou-se para Brasília aos 16 anos. Sua mãe chegou à capital antes e conseguiu emprego em uma empresa de limpeza no Hospital Universitário de Brasília (HUB), de onde destinava parte do salário para sustentar os filhos, inclusive Creuzenice, que ainda vivia na Bahia.
À época, o irmão da porteira sofria de doença de Chagas, e a mãe viu em Brasília a oportunidade de manter a família unida e garantir tratamento de qualidade para o filho. Pouco depois da chegada, a jovem concluiu o supletivo do ensino fundamental na Escola Classe 10, em Ceilândia, e terminou o ensino médio no Centro de Ensino Médio (CEM) 02 da mesma região, em 1995.
Desde então, acumulou tentativas em diversos vestibulares da UnB, passando de Arquivologia a Letras em Japonês. Em 2007, prestou pela primeira vez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Eu queria tanto entrar na UnB. Fiz vários vestibulares, mas nunca na área de exatas, sempre em humanas”, revelou em entrevista ao portal.
Enquanto tentava ingressar no ensino superior, já frequentava a universidade na condição de funcionária terceirizada. Em 2002, começou a trabalhar no HUB. Em 2006, foi para a Prefeitura da UnB, onde permaneceu até 2016. Depois de três anos desempregada, retornou em 2019 como funcionária reserva e, desde 2020, atua em plantões de vigilância na portaria da Faculdade de Comunicação (FAC).
Creuzenice nunca deixou os estudos de lado. Entre 2008 e 2012, formou-se em Administração pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e, ao longo dos anos, completou quatro cursos técnicos — em Saúde, Secretariado Escolar e Segurança do Trabalho — além de uma pós-graduação em Governança do Setor Público.
Gosto pelo estudo
O interesse pelos estudos voltou em 2024, quando o filho de Creuzenice prestou o Enem e conquistou bolsa integral em engenharia de software. Inspirada, ela se inscreveu para Letras e, na quarta chamada, conseguiu a tão sonhada vaga.
“Sempre quis fazer Letras para entender melhor a língua portuguesa. Acho bonito saber escrever e conversar bem. Tenho inveja de quem consegue escrever textos bonitos”, disse.
Trinta anos após concluir o ensino médio e duas décadas percorrendo diariamente os corredores da UnB, Creuzenice agora realiza o sonho de atravessar os portões não apenas como funcionária, mas também como universitária.
