Direito de Defesa: Quando a Lei Protege a Vida e a Liberdade

Brasília – Setembro de 2025 – A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, elevou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e garantiu direitos fundamentais, como a ampla defesa e o contraditório. Mais do que prerrogativas processuais, esses direitos refletem a possibilidade de resistir a agressões injustas, inclusive quando praticadas pelo próprio Estado.
Segundo especialistas, o conceito de defesa pessoal está ligado a um direito natural do indivíduo. O Código Penal brasileiro reconhece a legítima defesa (art. 25), permitindo que uma pessoa se proteja de forma proporcional contra agressões injustas.
“O direito de defesa não é uma concessão do Estado. É uma expressão do direito natural de todo cidadão. Ninguém deve se submeter passivamente à injustiça ou à violência, mesmo que praticada por autoridades públicas”, afirma o advogado Dr. Herbert Alencar Cunha.
O Código Penal tipifica o homicídio no art. 121, mas admite que a legítima defesa exclui a ilicitude quando a reação é proporcional à agressão. Esse mecanismo protege a vida e a liberdade sem estimular a violência, reforçando que a lei não exige sacrifício heroico das vítimas.
Perspectiva Internacional
O Brasil, ao ratificar o Pacto de San José da Costa Rica, incorporou normas internacionais que garantem a inviolabilidade da vida e o direito a julgamento justo. No entanto, esses direitos não podem ser usados para justificar a continuação de agressões injustas.
Em comparação, países socialistas têm interpretações distintas. No Vietnã, a legítima defesa serve para proteger o Estado ou interesses coletivos. Na China, o direito de resistência é reconhecido principalmente contra ameaças externas, enquanto em Cuba, a Constituição assegura o “direito de combate” para defender o sistema socialista.
Reflexão
Especialistas destacam que a legítima defesa é uma última fronteira da liberdade humana, essencial para a proteção da vida e da dignidade. Como disse Rui Barbosa:
“A força do direito deve superar o direito da força.”
No Brasil, esse direito garante que ninguém é obrigado a se submeter à injustiça, reforçando o caráter protetivo do Estado Democrático de Direito.
A Consagração Constitucional do Direito de Defesa
O artigo 5º da Constituição estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (inciso LIV), assegurando ainda a ampla defesa e o contraditório (inciso LV). Entretanto, essa garantia não se esgota na esfera processual; ela se projeta para o plano material, traduzindo-se no direito do indivíduo de não se curvar à injusta agressão, qualquer que seja sua origem.
A história constitucional revela que a resistência à opressão é princípio universal. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 2º, já enunciava: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.” Portanto, em um Estado Democrático, o direito de defesa não pode ser interpretado de forma restritiva, mas sim como expressão maior da liberdade, sobretudo diante de eventuais abusos do poder estatal.
O Código Penal e a Legítima Defesa: A Exclusão da Ilicitude
O artigo 121 do Código Penal tipifica o homicídio, prevendo severas sanções. Contudo, ao lado dessa previsão, o legislador reconhece a legítima defesa como causa excludente de ilicitude (art. 25), dispondo: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
Esse dispositivo consagra uma norma de proteção, não de violência. Ele não estimula o confronto, mas reconhece que a vida não pode ser sacrificada no altar da submissão. Quando a agressão parte do próprio Estado, por meio de atos arbitrários, resta claro que a norma penal não pode servir de escudo para a tirania. O Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal reforçam essa compreensão: ninguém é obrigado a se deixar matar, humilhar ou submeter injustamente para preservar a legalidade abstrata.

Normas Internacionais e o Direito à Vida
O Brasil, ao ratificar o Pacto de San José da Costa Rica, incorporou ao seu ordenamento jurídico normas que reconhecem a inviolabilidade da vida (art. 4º) e as garantias judiciais (art. 8º). Contudo, tais direitos não são absolutos para o agressor: não se pode invocar o direito à vida para justificar a continuidade de uma agressão injusta.
Nesse sentido, a legítima defesa é instituto de equilíbrio, que impede a prevalência da força sobre a justiça, reafirmando o caráter protetivo do Direito.
Reflexão Filosófico-Jurídica: Defesa como Limite ao Poder
A filosofia política ensina que o contrato social não é pacto de submissão irrestrita, mas acordo destinado à proteção da liberdade e da vida. Quando o poder se desvia dessa finalidade, ressurge o direito de resistência.
Não se trata de incitar a anarquia, mas de reafirmar que a obediência cessa onde começa a tirania. O Estado que não reconhece esse limite deixa de ser Estado de Direito para se converter em mera estrutura de poder arbitrário. Como bem ponderou Rui Barbosa: “A força do direito deve superar o direito da força.”
O Direito de Defesa em Contextos de Países Socialistas: Uma Análise Comparativa
A compreensão do direito de defesa e da resistência à opressão, tal como postulada na tradição liberal ocidental e refletida no ordenamento jurídico brasileiro, encontra nuances distintas em países com sistemas jurídicos e políticos de orientação socialista. Nesses contextos, a primazia da coletividade e a defesa do Estado socialista moldam as prerrogativas individuais.
- Vietnã: O Código Penal reconhece a figura da “circunstância urgente” (análoga à legítima defesa), que exime de responsabilidade penal aqueles que, sem alternativas, causam dano menor para afastar um perigo iminente aos interesses do Estado, organizações ou direitos legítimos próprios ou de terceiros. O Código de Processo Penal e o Código Penal vietnamita explicitam o objetivo de proteger o regime socialista, os interesses do Estado, os direitos humanos e de cidadania, a igualdade étnica e a ordem legal, visando à prevenção e combate ao crime.
- China: A Constituição de 1982 atribui às forças armadas o dever de “fortalecer a defesa nacional, resistir às agressões, defender a Mãe-Pátria”. Embora a Constituição garanta direitos e deveres fundamentais, como liberdade de expressão e reunião (art. 35), a estrutura jurídica é permeada pela centralidade do Partido Comunista Chinês. No cenário internacional, a China tem defendido o direito de povos à legítima defesa e à resistência contra ocupação estrangeira, distinguindo essa luta legítima de atos de terrorismo. Isso sugere uma aceitação do direito de resistência em face de agressões externas ou coloniais, embora a aplicação desse conceito a cidadãos contra o próprio Estado seja interpretada sob o prisma da defesa da ordem socialista.
- Cuba: A Constituição de 2019 estabelece um “direito de combate” dos cidadãos: “Os cidadãos têm o direito de combater por todos os meios, incluindo a luta armada, quando não for possível outro recurso, contra qualquer um que tente derrubar a ordem política, social e econômica estabelecida por esta Constituição”. Essa previsão expressa um direito de resistência em defesa do sistema socialista, invertendo a perspectiva da tradição liberal, que coloca o indivíduo contra a opressão estatal.
De forma mais ampla, a teoria jurídica socialista, influenciada pelo Marxismo-Leninismo, historicamente concebeu o Estado como instrumento de opressão de classe, mas também como protetor dos direitos pessoais e da propriedade de cada membro da sociedade socialista. Ao mesmo tempo, defendia o fortalecimento do poder estatal para enfrentar “remanescentes das classes moribundas” e organizar a defesa contra o “cerco capitalista”. Embora os direitos sociais sejam amplamente reconhecidos, a liberdade individual é frequentemente interpretada dentro do quadro dos interesses e da estabilidade do coletivo e do Estado.
Em suma, enquanto a Constituição Federal brasileira enaltece o direito de defesa como prerrogativa individual inalienável, inclusive contra abusos estatais, os sistemas jurídicos socialistas reconhecem formas de legítima defesa e, em alguns casos, um direito de resistência, mas sempre voltados à defesa da ordem social e estatal ou à resistência a ameaças externas. A “última fronteira da liberdade humana” assume, assim, contornos e destinatários distintos conforme o paradigma político-jurídico adotado.
Conclusão
O direito de defesa é expressão da dignidade humana e última fronteira da liberdade. Ele encontra respaldo na Constituição, no Código Penal e em tratados internacionais, assegurando que ninguém é obrigado a perecer diante da injustiça, ainda que praticada pelo poder constituído.
O artigo 121 do Código Penal, quando interpretado em consonância com o artigo 25, revela que a lei não impõe sacrifício heroico à vítima, mas legitima sua reação proporcional e necessária. Assim, a legítima defesa não é concessão do Estado, mas direito natural reconhecido pelo ordenamento jurídico, assegurando que a justiça prevaleça sobre a opressão
1. Constituição Federal de 1988
- Art. 1º, III – Princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
- Art. 5º
- XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
- XXXVIII – Não detalha necessariamente como um inciso autônomo relevante aqui, mas geralmente trata da legalidade e do devido processo.
- LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
- LV – Ampla defesa e contraditório: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
2. Código Penal Brasileiro
- Art. 23, II – Causas excludentes de ilicitude: agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.
- Art. 25 – Legítima defesa: quem repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, utilizando moderadamente os meios necessários, não comete crime.
- Art. 121 – Trata do homicídio, definindo crime, qualificadoras e penas.
3. Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)
- Art. 4º – Direito à vida: Toda pessoa tem o direito à vida, e este deve ser protegido por lei.
- Art. 8º – Garantias judiciais: toda pessoa tem direito a um juízo justo e imparcial, incluindo ampla defesa, contraditório e os meios para exercer seus direitos.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), Art. 2º
“O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.”
Comentário por Dr. Herbert Alencar Cunha – Advogado Sênior do escritório Herbert Alencar & Advogados Associados.
Dr. Herbert Alencar Cunha é bacharel em Direito pela UNIEURO e possui diversas pós-graduações nas áreas de:
- Direito Constitucional
- Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
- Direito Previdenciário, com ênfase em processo do trabalho
- Direito Eleitoral (ESA OAB-DF)
- Estatuto da Criança, Adolescente e Juventude (ECA)
- Direito Penal, com ampla atuação em Tribunal do Júri
Além disso, é professor de ensino superior em disciplinas como Recuperação Judicial e Direito Constitucional, e mestrando em Relações de Consumo pela Universidade de Brasília (UNB). -

Dr. Herbert Alencar Cunha
Sua atuação profissional abrange consultoria, contencioso e processos estratégicos, sempre com foco na defesa dos direitos fundamentais consagrados historicamente na Declaração de 1789.
Referências: Constituição Federal de 1988, Código Penal Brasileiro, Pacto de San José da Costa Rica.


